Meninos e meninas cresceram acreditando no companheirismo, amizade, lealdade e outros valores característicos da inocência infantil. Corriam a caçar passarinhos e brincar no Igapó, que na década de 60, 70 ainda era um matagal. Crianças sapecas, destemidas e inocentes que deixavam a imaginação tomar "asas" e transformavam aquele alagado rodeado de mato em um verdadeiro paraíso verde.
Na rotina daquelas crianças, aquele paraíso verde significava um parque de diversões, a segunda morada e o espaço encantado. Era no "Igapó", que passavam a maior parte do dia executando o que tinham "armado", planejado fazer. Não importava onde estavam se na escola ou em outro lugar, o importante era que os pensamentos eram sempre voltados para as brincadeiras que aconteciam no interior do Igapó.
Na imaginação infantil, as lendas e os mitos que passavam de geração a geração e que foram criadas para transmitir mensagens importantes ou simplesmente para assustar as pessoas, tiveram uma importância enorme no interior do Igapó. Aquele lago, cercado de mato, era inspiração e palco para inúmeras travessuras das crianças e mais tarde dos adolescentes.
Como as crianças acreditavam que do "lago", a qualquer momento iria emergir personagens da cultura folclórica para atacar, a Mula-sem-cabeça tão temida, surgiria da mata soltando fogo pelas narinas e castigando quem tivesse um romance, era o que as mães diziam para evitar que houvesse uma aproximação mais íntima entre meninos e meninas.
O Saci-Pererê representado por um menino de uma perna só, era citado para impedir que as crianças ficassem até tarde da noite no interior do Igapó. O Curupira e o Boitatá personagens folclóricos que protegiam as matas e os animais, iria perseguir quem desrespeitasse a mata.
Durante várias noites, a molecada ouvia um ruído estranho vindo da mata e ninguém conseguia identificar a origem desse ruído, então foi divulgado que era o "corpo seco", uma assombração que assustava as pessoas que passavam próximo ao Igapó, pois em vida, diz a lenda "corpo seco" era um homem muito malvado que só pensava em fazer coisas ruins e após sua morte foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma alma penada.
Vários anos depois, foi descoberto que o "corpo seco" nada mais era, que um porco selvagem criado na mata ao redor do Igapó. O medo se transformou em coragem e certo dia a molecada se reuniu para pegar o porco, e durante o por do sol, o porco foi pego, morto e divido entre os meninos que participaram da caçada. Assim como o porco, vieram outras "assombrações" o pato, o jacaré, a tartaruga e as galinhas dos vizinhos, que acabam em deliciosos almoços e jantares.
Além da cultura folclórica, o Igapó servia para brincadeiras e brinquedos culturais. No interior do mato, havia um campo de futebol no qual, os meninos batiam peladas e se achavam o máximo quando faziam um gol. Os times eram formados pelos moradores de cada lado do lago, porém o interessante era que, durante o sol quente a vez de jogar futebol era dos meninos mais novos e quando o calor amenizava os meninos eram expulsos dando a vez aos mais velhos.
A brincadeira de "camonha" consistia na formação de dois grupo, cada grupo era formado por moradores de um dos lados do lago, que após determinada a contagem corria para se esconder. O elemento do grupo que fosse pego era amarrado e surrado, só era solto se os companheiros conseguissem soltá-lo.
As jangadas, construídas de "aninga" servia de transporte para o grupo contrario. Quando as jangadas se aproximavam, mamonas eram usadas como instrumentos na chamada "guerra de mamonas". Essa brincadeira só terminava quando o interior do Igapó ficava escuro com a aproximação da noite e mesmo assim, um dos componentes do grupo teria que vigiar a embarcação para não ser destruída pelo "inimigo".
Enquanto os meninos guerreavam as meninas pulavam, ora brincando de amarelinha chamada por nós de "macaca" ora brincando de queimada. Meninos e meninas só brincavam juntos na brincadeira de "pira-esconde" ou cai no poço, assim como na ciranda de roda. Algumas vezes empinavam pipas ou jogavam petecas.
Foi estudando e brincando que essas crianças cresceram e, como adolescentes outra cultura aflorou...A dança. Nos clubes o baile, nas residências as tertúlias e na rua o Carnaval. O Carnaval foi a inspiração maior, pensado com carinho e trabalho passo a passo na construção do bloco carnavalesco "Coqueiro verde", nome escolhido em função dos cocos que eram apanhados pelos adolescentes para retirar a água e misturar com alguma bebido forte para consumo nas tertúlias. Mais tarde o "Coqueiro verde" recebeu o nome de "Emissários", inspirado nos esconderijos do Igapó que servia de cenário e abrigo para casais apaixonados. Porém, foi fundado com o nome de "Emissários da Cegonha" em homenagem aos fundadores que eram pais precoses naquela época.
O Grêmio Recreativo Escola de Samba "Emissários da Cegonha" afirma com convicção que que a cultura aflora em nossa memória, como contribuição do produto de valores individuais de cada membro que projetou a sua criação. Sem ideologia político-partidária interferindo na construção da nossa história, no processo de vida daqueles meninos e meninas que cresceram brincando no interior do Igapó.
Lutamos para preservar o propósito e a meta para qual foi destinada a cultura carnavalesca e o carnaval dos "Emissários da Cegonha", lutamos por nossos ideais, como resultado e conquista de uma comunidade com características criadas, preservadas e aprimoradas através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade, o que vale é o reflexo de cada momento histórico, da possibilidade de organização da vida cotidiana e dos costumes de um grupo social. São os valores espirituais e materiais que conferem a essência maior da nossa personalidade.
Autora: Eliana Maura